sexta-feira, agosto 24, 2007

Primavera - Cecília Meireles

"A primavera chegará, mesmo que ninguém mais saiba seu nome, nem acredite no calendário, nem possua jardim para recebê-la. A inclinação do sol vai marcando outras sombras; e os habitantes da mata, essas criaturas naturais que ainda circulam pelo ar e pelo chão, começam a preparar sua vida para a primavera que chega.
Finos clarins que não ouvimos devem soar por dentro da terra, nesse mundo confidencial das raízes, — e arautos sutis acordarão as cores e os perfumes e a alegria de nascer, no espírito das flores.
Há bosques de rododendros que eram verdes e já estão todos cor-de-rosa, como os palácios de Jeipur. Vozes novas de passarinhos começam a ensaiar as árias tradicionais de sua nação. Pequenas borboletas brancas e amarelas apressam-se pelos ares, — e certamente conversam: mas tão baixinho que não se entende.
Oh! Primaveras distantes, depois do branco e deserto inverno, quando as amendoeiras inauguram suas flores, alegremente, e todos os olhos procuram pelo céu o primeiro raio de sol.
Esta é uma primavera diferente, com as matas intactas, as árvores cobertas de folhas, — e só os poetas, entre os humanos, sabem que uma Deusa chega, coroada de flores, com vestidos bordados de flores, com os braços carregados de flores, e vem dançar neste mundo cálido, de incessante luz.
Mas é certo que a primavera chega. É certo que a vida não se esquece, e a terra maternalmente se enfeita para as festas da sua perpetuação.
Algum dia, talvez, nada mais vai ser assim. Algum dia, talvez, os homens terão a primavera que desejarem, no momento que quiserem, independentes deste ritmo, desta ordem, deste movimento do céu. E os pássaros serão outros, com outros cantos e outros hábitos, — e os ouvidos que por acaso os ouvirem não terão nada mais com tudo aquilo que, outrora se entendeu e amou.
Enquanto há primavera, esta primavera natural, prestemos atenção ao sussurro dos passarinhos novos, que dão beijinhos para o ar azul. Escutemos estas vozes que andam nas árvores, caminhemos por estas estradas que ainda conservam seus sentimentos antigos: lentamente estão sendo tecidos os manacás roxos e brancos; e a eufórbia se vai tornando pulquérrima, em cada coroa vermelha que desdobra. Os casulos brancos das gardênias ainda estão sendo enrolados em redor do perfume. E flores agrestes acordam com suas roupas de chita multicor.
Tudo isto para brilhar um instante, apenas, para ser lançado ao vento, — por fidelidade à obscura semente, ao que vem, na rotação da eternidade. Saudemos a primavera, dona da vida — e efêmera."




texto: "Cecília Meireles - Obra em Prosa - Volume 1", Editora Nova Fronteira.
foto: Em folha de papel, inseto descoberto durante expedição do biólogo Mario Cohn-Haft pela floresta amazônica.


quarta-feira, agosto 22, 2007

Eu só quero chocolate....












Meus sonhos são estrofes.
Três versos,
Um pensamento.
Outros são Lusíadas,
Poemas inteiros.
Há os que tenho acordada.
Ou serão só devaneios?
Por estes minha alma canta,
Os procuro o ano inteiro.

foto: ai que vontade que dá; poema: Carolina de Carvalho - 2005

terça-feira, agosto 21, 2007

O país das neves – Yasunari Kawabata

O céu das montanhas mais distantes ainda guardava os resquícios da vermelhidão do pôr-do-sol. Por isso, bem longe, os contornos da paisagem através do vidro da janela ainda continuavam nítidos, mas já sem cor, e as montanhas infinitamente monótonas pareciam mais triviais. Por não haver nada mais atraente, tudo aquilo tornava-se um imenso refluxo de emoção anuviada, obviamente porque ele imaginava o rosto da moça flutuando neste quadro. Não era possível ver o outro lado da janela na parte em que a figura dela se refletia, mas como a paisagem ao entardecer se movia ao redor do contorno da moça, o rosto dela também parecia translúcido. Se era ou não, ele não foi capaz de distinguir, pois lhe parecia que a paisagem do crepúsculo que continuava a passar por trás do seu rosto estava em frente a ele.
Como o interior do trem não era muito claro, aquele espelho não era tão nítido quanto deveria ser. Ele não refletia bem as imagens. Por isso, enquanto olhava compenetrado, foi se esquecendo da existência do espelho e começou a pensar que a moça flutuava na paisagem do entardecer.
Foi nesse momento que os raios de sol. Já tênues, iluminaram o rosto dela. O reflexo do espelho não era suficiente para apagar a claridade de fora, nem esta, forte o bastante para ofuscar a imagem refletida no espelho. A claridade passava como um relâmpago pelo seu rosto, mas não era suficiente para iluminá-lo. A luz era fria e distante. No momento em que o contorno de sua pequena pupila foi se iluminando, como se os olhos da moça e a luz se sobrepusessem, seus olhos se tornaram um vaga-lume misterioso e belo que pairava entre as ondas da penumbra do cair da tarde.


Orelha: “Prêmio Nobel de 1968, Yasunari Kawabata é considerado um dos representantes máximos da literatura japonesa do séc XX. Ao contrastar o ritmo harmônico da natureza e o turbilhão da avalanche sensorial, forjou insólitas associações e metáforas táteis, visuais e auditivas que surpreendem por revelar os processos de fragilização do ser humano diante do cotidiano, numa composição surrealista de elementos da cultura e filosofia orientais, personagens acuados e cenários inóspitos. Sua obsessão pelo mundo feminino, sexualidade humana e o tema morte renderam-lhe antológicas descrições de encontros sexuais, com toques de fantasia, rememoração, inefabilidade do desejo e tragédia pessoal. Doente e deprimido, Kawabata suicidou-se em 1972.”
...

Não deixe de ler : “Mil Tsurus” e “A casa das belas adormecidas” (livro que inspirou Garcia Márquez a escrever “ Memórias de minhas putas tristes”) .

título original : Yukiguni ; editora: Estação Liberdade; tradução: Neide hissae Nagae capa: Midori Hatanaka

sexta-feira, agosto 17, 2007

Foolish

Já peguei fogo,
É tarde para apagar.
O mar está em chamas,
A lua não vai ajudar.











Foto: A Noiva Cadáver ; Poesia: Carolina de Carvalho (2005)

terça-feira, agosto 14, 2007

Hope you guess my name...

Cada vez que vejo uma coisa espetacular tenho o ímpeto de fazer, aprender ou ser aquilo. Dançarina, musicista, pintora, escultora, muralista, trapezista, a lista é interminável. Tudo me encanta, e penso que seria divertidíssimo saber fazê-las ou sê-las.
Talvez isso seja uma falta de caráter, afinal quero ser tudo ao mesmo tempo; mas também pode ter uma explicação puramente técnica, descobri que, este fenômeno se dá por conta dos 7 nomes que tenho. Explico.
Sou fruto de uma mistura tremenda, tenho genes de guerreiros índios, de lordes ingleses, dos quatrocentões (quinhentistas?) portugueses, e do delicioso e festivo povo da bela Itália. Até aí nenhuma novidade para uma brasileira.
Só que a mistura é tanta que, quando pequena pensava em acrescentar ao nome os sobrenomes da família toda. E como a doideira vai crescendo junto com a gente…
Agora, para cada coisa que faço, vou adicionando os sobrenomes, mudo conforme o humor ou situação. Sabe aquela coisa de "tenho sete namorados…" Brinco com os 7 e fico nessa:
- Qual nome combina melhor se resolver ser chef d'cuzine? E dançarina clássica? ...
Acho um mais bacana, outro menos comum. São tantos. Os 7 coadjuvantes possíveis para mim. (Guaycurú, Lagden, Motta, Mello, Baroni, Fusco e Bocchini)
Outro dia, remoendo coisas em gavetas, achei uma preciosidade, com a letrinha já toda engruvinhada, apareceu na minha frente um papel amarelado, com a seguinte frase “ Use e faça-se conhecer” e um sobrenome. A letra inesquecível é da minha avó Ana. Mãe de minha mãe. A vó, foi a responsável pela minha volta de um país ancestral, e por consequência, responsável indireta pela vida que tenho o privilégio de viver. Mas essa é outra história…
E assim, escrevendo essas linhas despretensiosas, me dei conta que a tormenta é ainda maior, porque na realidade, são 8 os sobrenomes! Na brincadeira esqueci do meu nome patronímico, e lá veio a lembrança para me tirar das trevas do esquecimento, “ USE…” .
É simples, comum, e combina comigo. Da onde veio eu não sei, acho que é cristão novo, todos os nomes de árvore o são. Pra onde vai, acho que ela, minha amada avó Ana, saberia dizer. Quem sabe um dia…Muito prazer, sou Carolina, de Carvalho.

sexta-feira, agosto 10, 2007

Bravo! Bravo!

Ontem eu fui ao show da minha amiga, Bel Garcia, show que merece ser comentado e principalmente, divulgado.

A noite já começou legal, com o William, o porteiro super simpático da cena descolada do mundo moderninho da vila madalena, que deixou a gente entrar e sair do lugar e ainda fez desconto bacana no precitcho. Depois, apareceu o simpaticíssimo barman, um negão todo estiloso com algo que parecia ser um dread esquisofrênico no cabelo, cumprimentando em espanhol, “Ôla Chica! Que tal!...” Não entendi se ele estava querendo se mostrar ou achou que eu, toda de negro e de pernas de fora era uma espanholita perdida no frio de Sampa… Já estava me sentindo em casa, com amigas queridas, tomando cerveja e dando risada.
Foi aí que a música de verdade começou. Uma versão de Ordinary Life, música de seu primeiro cd, o Bluebell. Na segunda música a espinha arrepiou, fiquei emocionada e fui ouvir de braços dados com minha amiga Julia. Nós, que já havíamos percebido a diferença de qualidade, o salto incrível da banda toda, que veio com nova formação, fomos só enchendo mais e mais o peito de orgulho e alegria!
Lá pela quarta ou quinta canção, uma versão de “ Dê um Rolê ” que todo mundo conhece na voz de Gal Costa. Aquela que diz, “ Eu sou Amor, da cabeça aos pés…Eu, sou, Eu sou Amooorrr ….” E foi! A energia que se deu a partir daí foi espetacular. Belzinha cantou lindo, lindo. Afinal ela é! E eu escutei sendo, afinal também sou, da cabeça aos pés...! As lágrimas vieram aos olhos. Ela arrepiou! Se entregou, desencanou do nervosismo, e mostrou a que veio!
A participação especial do Dadi ( um Forest Gump da música brasileira, como disse a Bel) e um som de cello, deram um brilho especial, acompanhados de Pedro Baby, o
guitarrista… só o que posso dizer é : Vai tocar bem assim lá no quinto dos infernos rapaz! Puta que pariu! Muito bom! Delícia de som! A banda estava radiante. A empolgação na hora da música “My Generation” disse tudo. Coro… solo… luzes… som…vibe… porrada! E pronto.... Acabou-se o que era doce…
Essas foram as minhas impressões
. Achei delicioso! Adorei! Cheguei em casa querendo que todo mundo tivesse ido, ouvido e visto! Então só o que posso fazer é avisar que quinta feira (16.08) tem mais! Aproveitem enquanto não custa uma fortuna, sim, porque o Carneguie Hall a espera, sem dúvidas!! E tenho dito!


Vai lá: Bluebell no Studiosp ou http://www.myspace.com/bluebellmusic ; www.slowmotionballet.blogspot.com/

terça-feira, agosto 07, 2007

Silêncio...

Shhh… Não digas nada…
Sou frágil, delicada.
Shhh…Não venhas agora
Com essa voz me entorpecer.
Demore mais um pouco,
Espere adormecer.
Shhh…Não digas nada…
Deite ao meu lado.
Traz me o amanhecer...
Shhh…Não digas nada…
Deixe o silêncio envolver.
Shhh…




Phil Hansen– Detalhe de Madre Teresa (2006) – 101x53cm; Flores dente de leão fotografadas; www.philinthecircle.com ; poesia: Carolina de Carvalho (2005)

segunda-feira, agosto 06, 2007

O Aviso...














Não ouse cruzar este caminho.
Terás a boca inebriada,
A carne extasiada,
A alma diluída.

Não ouse cruzar este caminho,
De fogo, salivas,
Escamas e deleites.

Não ouse cruzar este caminho!
São infinitos sabores,
Sangue, vísceras
Venenos e amores

Não ouse cruzar este meu caminho!
Não tem retorno!
Não ouse…

foto: espetáculo do circo FUERZA BRUTA, http://www.fuerzabruta.net ; poesia: Carolina de Carvalho (2006)

quinta-feira, agosto 02, 2007

Um instante…

Rasgo meu peito,
Abro meu tórax,
Pulsa meu vibrante dorso nu,
Em carne viva.
Em seguida,
Morro.




M. C. Escher - Eye (1946) - Mezzotint - 31.9x31.7cm; Poesia: Carolina de Carvalho (2006)