terça-feira, agosto 21, 2007

O país das neves – Yasunari Kawabata

O céu das montanhas mais distantes ainda guardava os resquícios da vermelhidão do pôr-do-sol. Por isso, bem longe, os contornos da paisagem através do vidro da janela ainda continuavam nítidos, mas já sem cor, e as montanhas infinitamente monótonas pareciam mais triviais. Por não haver nada mais atraente, tudo aquilo tornava-se um imenso refluxo de emoção anuviada, obviamente porque ele imaginava o rosto da moça flutuando neste quadro. Não era possível ver o outro lado da janela na parte em que a figura dela se refletia, mas como a paisagem ao entardecer se movia ao redor do contorno da moça, o rosto dela também parecia translúcido. Se era ou não, ele não foi capaz de distinguir, pois lhe parecia que a paisagem do crepúsculo que continuava a passar por trás do seu rosto estava em frente a ele.
Como o interior do trem não era muito claro, aquele espelho não era tão nítido quanto deveria ser. Ele não refletia bem as imagens. Por isso, enquanto olhava compenetrado, foi se esquecendo da existência do espelho e começou a pensar que a moça flutuava na paisagem do entardecer.
Foi nesse momento que os raios de sol. Já tênues, iluminaram o rosto dela. O reflexo do espelho não era suficiente para apagar a claridade de fora, nem esta, forte o bastante para ofuscar a imagem refletida no espelho. A claridade passava como um relâmpago pelo seu rosto, mas não era suficiente para iluminá-lo. A luz era fria e distante. No momento em que o contorno de sua pequena pupila foi se iluminando, como se os olhos da moça e a luz se sobrepusessem, seus olhos se tornaram um vaga-lume misterioso e belo que pairava entre as ondas da penumbra do cair da tarde.


Orelha: “Prêmio Nobel de 1968, Yasunari Kawabata é considerado um dos representantes máximos da literatura japonesa do séc XX. Ao contrastar o ritmo harmônico da natureza e o turbilhão da avalanche sensorial, forjou insólitas associações e metáforas táteis, visuais e auditivas que surpreendem por revelar os processos de fragilização do ser humano diante do cotidiano, numa composição surrealista de elementos da cultura e filosofia orientais, personagens acuados e cenários inóspitos. Sua obsessão pelo mundo feminino, sexualidade humana e o tema morte renderam-lhe antológicas descrições de encontros sexuais, com toques de fantasia, rememoração, inefabilidade do desejo e tragédia pessoal. Doente e deprimido, Kawabata suicidou-se em 1972.”
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Não deixe de ler : “Mil Tsurus” e “A casa das belas adormecidas” (livro que inspirou Garcia Márquez a escrever “ Memórias de minhas putas tristes”) .

título original : Yukiguni ; editora: Estação Liberdade; tradução: Neide hissae Nagae capa: Midori Hatanaka

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